
Ninguém nunca soube o que tinha atrás daquela franja que cobria praticamente toda a cara dela. Ninguém nunca soube o que tinha dentro daquele pequeno apartamento onde vivia - se é que poderia ser chamado de apartamento. Ela vivia sozinha. E apesar da pouca idade, aparentava ter muito mais. Aparentava ser duas vezes mais velha do que realmente era. Mas eu sempre a observei com um ar de curioso, sempre fui curioso perante a ela, sempre a observei chegar do mercado com as compras na mão, sempre a observei chegar do trabalho com uma cara um tanto triste. Deveria trabalhar em algo que não gosta, pensava eu. Ela sempre foi esse tipo de pessoa que todo mundo acha que não passa de uma estranha, quieta e anti-social. Mas eu nunca achei isso dela, ela tinha um brilho no olhos tão diferentes e parecia ser bem sozinha. Apesar de que naquele apartamento se coubesse dois, era muito. Confesso que já cheguei a seguir ela, fui atrás dela pelo bosque da cidade, porque as vezes ela sentava em frente ao lago e lia coisas tão desinteressantes quanto ela. Mas pra mim, tudo que se dizia a respeito dela era interessante, tanto que a segui. Eu sei que eu posso parecer um louco falando assim de uma pessoa que eu mal conheço. Eu sei que eu não sou grande coisa com esse meu terno marrom de segunda mão, quem visse saberia que eu comprei no brecho do centro da cidade. Mas é que ela, ela era diferente de mim. Diferente de tudo que eu já vira, ela tinha um ar de superior a toda solidão existente no mundo. Parecia nem ligar para quem entrava ou saia da sua vida. Como eu sempre pintei a vida. Desejei naquele momento pintar ela, ela realmente era a vida, uma vida sem muita cor, mas uma vida. Pintei ela em uma pequena tela, pintei sua franja que cobria metade da cara, pintei aqueles panos que a encobria como roupa, pintei os seus olhos castanhos claros profundos e cheio de luzes. E a pintei dentro daquele apartamento, dava pra ver um pedaço dele da minha casa, desenhei o que vi. Pintei as panelas empenduradas por um prego na parede, pintei a sua pia que as gavetas haviam sido arrancadas, ou deveriam ter caído de tão velhas, pintei as colheres que ficava dentro de um pote verde e pintei suas roupas que ficava estendida na área. Se bem que, não havia muitas roupas para serem estendidas. Eu realmente nunca consegui entender quando a vi jogando as colheres de dentro do pote verde no chão, ela havia tirado pela primeira vez a franja do meio da cara, mostrando um enorme corte do lado do rosto, perto dos olhos. E naquele instante eu realmente percebi o porque ela tinha aquela franja que cobria metade do seu rosto e que cobria os seus lindos olhos castanhos. E depois de toda aquela fúria dela a vi saindo do seu apartamento com suas poucas malas, não sabia o porque que ela ia e nem para onde ia. Foi então que vi pela ultima vez a sua sombra virar a esquina. Naquele momento eu sabia que ela jamais voltaria, sabia que nunca mais veria sua franja e nem as suas roupas velhas. Eu não sabia o porque mas eu havia ficado triste, e naquela noite eu não consegui dormir, as lágrimas tomavam conta do meu rosto, descendo do meu rosto e molhando o meu terno velho. Por algum motivo mais forte que eu, não conseguia parar. Foi quando vi o dia nascer vindo com o por-do-sol mostrando claramente aquela cidade cinza. E pensei, eu e ela nunca nos conhecemos, tão distantes e tão diferentes, chorei pela primeira vez, e por quem eu nunca conheci.
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