
Nas noites mais escuras de inverno, logo quando estava chovendo, ao som do piano vou para fora da minha casa e me sento na neve e fico sentindo ela cair sobre mim. Ando meio sem rumo nesses dias de frio, vou a floresta e dou de cara com o desconhecido e logo em seguida volto com a cara cheia de lágrimas para o que eu acho que conheço. Meio vagamente eu me lembro de uma vida que nunca foi minha, meio vagamente eu me lembro dos olhares das pessoas debochando da minha cara por decidir finalmente mudar de vida. E esses olhares profundos e maldosos nunca me impediu de continuar a fazer o que eu achava que acreditava, nunca fui forte, mas decidi ser quando resolvi mudar a minha vida. Estava cansada de trocar o dia pela noite, não queria mais deixar o meu corpo junto com a minha alma servir de brinquedo para desconhecidos. Ia para um quarto de hotel com qualquer homem que me desse o que comer no dia, deitava e tirava minha roupa.. Me embrulhava com o lençol daquele quarto de hotel sujo do gozo da ultima transa. Ficava quieta por alguns segundos enquanto eles alisavam o meu cabelo, ficava quieta pensando e desejando que aquilo acabasse rápido. Quando terminava de dar prazer para alguém que nem conheço, quando eu terminava de chicotear a minha alma, eles jogavam o dinheiro na cama e saiam alegres por ter conseguido pagar pra uma mulher dormir com eles. E ficava ali deitada, me sentindo suja, pensando: - Suja, suja, suja suja!! Tomava três banhos antes de ir embora, pintava minha cara com uma máscara para não conseguirem ver a minha dor - certamente se olhassem nos fundos dos meus olhos pretos, veriam eterno sofrimento. Depois de me deitar com estranhos, eu dançava para estranhos.. Exibia o meu lindo corpo torneado em cima de um pequeno palco ao som de uma musica qualquer desde que seja vulgar, e dançava para eles para ter o que comer. Eles me tratavam como uma qualquer, como uma vagabunda que não sente.. Pensavam que por eu ser uma garota de programa eu não sentia. Enganados. Sofria sempre ao me deitar com os seus corpos sujos. Enganados, sofria sempre por só poder fazer isso pra ter o de comer. Eu sinto, sou humana. Dizia sempre baixinho para mim mesma quando chegava em casa. Trocava de roupa e deitava na cama, chorava um pouco e acordava para um mais novo dia de luta... Sempre ao lembrar dessa vida, as lágrimas vem mesmo sem eu querer. A vergonha fica estampada na minha cara. Depois de um tempo fugi, tentei na verdade fugir de mim.. Mas não tem como, o passado sempre irá me atormentar, mesmo morando do outro lado do mundo. Por isso que o meu inverno são sempre acompanhados de uma lágrima não chamada. E eu continuo dizendo baixinho pra mim mesma: - Sou humana, também sinto.